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O dia-a-dia de uma professora



Imagine uma turma de 36 alunos com idades variando entre 8 e 10 anos numa sala com um único ventilador pequeno funcionando precariamente num calor de 35 graus. O barulho externo é grande pela presença de alunos que ainda não entraram porque a outra professora se atrasou.
A professora, tentando iniciar o trabalho de alfabetização e letramento, solicita que todos peguem o livro didático de língua portuguesa.
_ Vamos lá pessoal, abram o livro na página 33. Vamos ler o enunciado da letra C do quesito 2 mostrando no quadro para que pudessem localizar no livro. Quando imaginou que todos estivessem na página sugeriu que alguém lesse. Neste momento foi interrompida por um aluno que perguntou: _ Tia, qual é mesmo a página? Enquanto ela tenta localizá-la para o aluno antes que a turma se disperse, outro aluno fala de lá. _Tia, a ponta do meu lápis quebrou. Mais uma vez interrompe a atividade para apontar o lápis do garoto porque nestas alturas, é melhor que, ela mesma, o faça. Finalmente, tenta recomeçar. _ Vamos lá pessoal, vamos ler juntos. Neste momento, aparece um aluno ao seu lado com as mãos entre as pernas:_Tia, posso ir fazer xixi, estou apertado? Dá pra acreditar???
No outro dia, lá está ela novamente, agora com o material dourado sobre a mesa. Tudo preparado para trabalhar com o sistema de numeração e colocar em prática tudo que aprendeu no último encontro de formação de matemática.
_ Atenção, pessoal, olhe este material, cada pecinha tem um valor: o cubinho vale.....e vai mostrando ao mesmo tempo em que faz a demonstração com desenhos no quadro. Neste preciso momento, observa que um aluno, aquele mais distraído, que ainda nem reconhece os números, está com o livro de matemática sobre a cabeça. Rapidamente, a professora pega o livro e coloca sobre o birô, na tentativa de que ele se concentre e se envolva na atividade. Recomeça..._ Esta barrinha vale 10 unidades, é chamada de uma dezena ... De repente, o mesmo aluno, agora pegou o seu lápis e está batucando na mesa. O que faz a professora? Exatamente o que você pensou. Pega o lápis e coloca também sobre o seu birô imaginando que ele agora não tem mais nada para se distrair, continua. _Vamos lá gente, vamos brincar de trocar cubinhos por barrinhas...é quando ela olha, o referido aluno, não tendo mais nada na banca para se distrair, consegue puxar uma linha da sua mochila e brinca com ela entre os dentes...Dá pra acreditar???
A professora fez uma nova arrumação nas bancas, no lugar de fileiras organizou dois semicírculos para que seus alunos pudessem ficar mais próximos e interagir com os colegas nos momentos de aprendizagem. Mas, a Aninha estava conversando muito, a professora já havia feito várias tentativas de mudança de lugar e a garotinha não se concentrava, estava sempre desatenta e atrasada. Combinou então com Aninha que ela iria passar uns dias, sentada mais na frente, mais perto da professora para que pudesse ser monitorada na concentração durante as atividades e não comprometesse seu aprendizado. A garota adorou! Só ela estaria perto da professora. Mas, a mãe da Aninha que, por acaso passava em frente à sala, questionou a professora sobre o porquê da filha estar sentada naquele lugar “isolada”, separada dos outros. A professora, certa de que a mãe iria concordar com ela, muito pacientemente explicou que era uma tentativa de ajudar a Aninha a estar mais atenta. Mas, qual nada, a mãe ficou muito chateada e achou que sua filha estava sendo excluída pela própria professora e que iria procurar a coordenação. Dá pra acreditar???
São 07:30 da manhã, a música do toque já iniciou, a professora entra na sala e os alunos já estão em rebuliço total. Mas aquelas mães, embora saibam que é hora da professora estar com os alunos, insistem em dar uma palavrinha rápida. A professora com a porta entre aberta não sabe se escuta a oração e normaliza os alunos e corre o risco de ser julgada indelicada ou se atende às solicitações que vão desde questionamentos sobre a tarefa de casa que o filho não entendeu, a anotação na agenda, a briga no jogo...“ Elas não falham nem um só dia, fazem questão de cumprir com este compromisso, mesmo que todas as outras salas estejam em silêncio e atentas à oração”
Mas, finalmente a professora consegue entrar em sala e normalizar os seus alunos.
_ Vamos lá pessoal, peguem o caderno de casa para corrigirmos a tarefinha de ontem. Ah! tia, eu não fiz a tarefa porque minha mãe saiu. _ Eu não fiz porque não tive tempo. _ Eu fui pro médico. _Não fiz porque fui dormir tarde. _Quem não fez, vai fazer agora, retruca a professora. _ Mas, tia, eu esqueci o meu caderno. O outro vem pedir para fazer a ponta no seu lápis que, de tão pequeno não dá nem para segurá-lo. Depois de tentar administrar tudo isso, a professora inicia com uma atividade no livro.
_ Rafael, leia, por favor, a primeira questão. _Eu perdi o livro professora. DÁ PRA ACREDITAR????



Como se não bastasse esta rotina, ainda querem que o professor responda pelo processo de inclusão de deficientes, dê conta de identificar fatores que causam o bullyng, da formação musical, formação sexual. Dá pra acreditar!!!!

Este breve relato é apenas um desabafo de quem reconhece que ser professor não é tarefa para todos, mas sim para aqueles que acreditam no seu ofício e o tratam com a consciência e responsabilidade que a profissão deve ter. Todavia, é impossível um megaprofissional que dê conta de tantas demandas principalmente com a megaformação que temos e com o megasalário que recebemos.

Dia do professor
JOMA outubro de 2009